Anos 50



NOS TEMPOS DO TOMÉ TEIXEIRA

Silas Corrêa Leite*

Eu me lembro… eu me lembro… das aulas no G.E.T.T. que era o “Grupo Escolar Tomé Teixeira”, final dos anos 50. Lá estava eu na mais bonita instituição de educação de Itararé, aluno da Professora Jocelina Stachoviack de Oliveira e depois da Professora Nancy Penna, duas mestras que me marcaram para sempre. Eu era feliz e não sabia?
 Eu já escrevia meus versinhos pueris… O primeiro foi publicado num jornal mural, de cartolina, chamado “O Guarani”, ao lado de poetas consagrados como Olavo Bilac e mesmo o mestre Pedro Ribeiro Pinto, de Itararé. Estava lá o meu poemeto e a professora dando o título de Poetinha, como sou conhecido até hoje. Tempos que não voltam mais.
 Eu era aluno pobre, da Caixa, origem humilde, uniforme de segunda mão, ia à diretoria buscar tinta para a minha caneta tinteiro. Já pensou? Na classe tinha uma bandeira do Brasil. As melhores classes tinham um pavilhão hasteado. Era um orgulho pra gurizada.
A merenda: sopa ou suco de leite com groselha. Tinha um fantasma no porão do Tomé Teixeira. Lembro-me que tempos depois, escrevi uma trovinha a respeito:
             “O fantasma do porão
               Do Tomé Teixeira
              Passa a vida inteira/
              Cabulando a lição.”
Numa daquelas aulas em que a professora Jocelina trabalhava conosco o mote “O que você quer ser quando crescer” eu dizia: Escritor, Poeta. Uma revista ilustrada do Rio de Janeiro (Minha Revista) anos atrás, fez reportagem comigo, sobre meu trabalho literário, e colocou em destaque que com oito anos eu dizia, no Grupo Escolar Tomé Teixeira, de Itararé, Cidade Poema, que queria ser escritor.
Família pobre, eu pensava em como um dia vencer na vida. Sonhava. Até que Deus colocou o primeiro anjo em minha estrada de tijolos amarelos… A minha primeira professora: Jocelina Stachoviack de Oliveira, que tive o prazer de homenagear na Casa das Rosas, Avenida Paulista, em São Paulo, quando do lançamento do meu  livro, o Porta-Lapsos, Poemas. 
 Daqueles tempos eu me lembro dos colegas Rui, Zarpelão, Paulão, Kioka, Jeronça, entre tantos outros. A Cartilha “Caminho Suave” eu literalmente tirei de letra. Lembro-me também do nome de um diretor, o Professor Bonilha.
Eu era um guri oriundo das plagas de Harmonia, Monte Alegre, Paraná, para onde meu pai mudara um tempo, lidando com lotes de terra.
Agora que o “Tomé Teixeira” faz Cem Anos – Historial da Educação, Entra Aluno, Sai Cidadão -  fico a lembrar daqueles tempos do Seu Antoninho na porta da escola vendendo doces como geléia, ou pipoca, ou de quando tocavam um sino; o sinal, ou ainda quando eu declamava poemas no Dia da Árvore, Dia da Bandeira, Dia do Índio. Bons tempos aqueles.
Cresci, o G.E.T.T. está para sempre em minha vida, o guri pobre que engraxou sapatos, vendeu dolé de groselha preta e estudou no Tomé Teixeira, dali sendo - lhe aberto o mundo da palavra, da escrita, feito um encantário de luz. Feliz é aquele que pode olhar as trilhas que seguiu pelo livre arbítrio de seu lado Sentidor, e ver que se tornou um vencedor com as mãos limpas, e que tudo começou na sua primeira escola, feito uma escada para o céu de sua vida. Lá no meu site Porta-Lapsos, no link www.portas-lapsos.zip.net está postado o poemeto que bem retrata essa magna historicidade:
“O povo de Itararé
Tão alegre e feliz
Porque forjado é
Na força do giz
Da lousa do Tomé…
Bendito o Professor Itarareense cheio de fé
E o encantado aluno-andorinha aprendiz!"

*Professor, escritor , jornalista, poeta

      _________________

 CEM ANOS DOURADOS

                                                                           Aparecido da Silva Laureano*
       
         Início do ano, 1958. Pés descalços, olhar desconfiado. Puxado pelas mãos, mamãe, caminha comigo pátio adentro. Pátio do Tomé Teixeira.
          Espantoso! Aquele enorme prédio que eu conhecia apenas de passagem ,faria agora parte de minha vida, meu banco de estudo. Minha primeira série !.
          Soa o sinal. Não me lembro se era a Dona  Emilia  ou a Dona Ester que tilintava sem cessar,  aquele enorme sino.  Mamãe se informa e logo descobre qual seria a minha sala. Passa-me algumas orientações, e despede-se. Fico ali, aflito, mas vejo tantas outras crianças que se encontravam na mesma situação - isso me encoraja.
          Fila indiana, pequena caminhada, logo  estávamos no interior da sala. Professora!. Professora Odete Motta. Olhar firme, dominante, um pouco séria. Minhas pernas tremiam, afinal era a primeira vez que me deparava com uma pessoa de tal importância. Enérgica. Não dava moleza, era muito responsável na sua função de educadora.  Alguns meses  depois, licença maternidade - talvez o seu primeiro filho. Em sua substituição, a competente professora Paula Morschel. Serenidade em seu semblante, palavras dóceis; logo a sala cai em sua graça. Termina o ano, e lá se foi a primeira série e a nossa querida professora Paula.
          Segunda série. 1959. Curioso em conhecer a nova mestra. Finalmente –D. Wanda Marques . Essa marcou !.Tratava seus alunos com tanta  dignidade, como se eles fossem seus próprios filhos.  Sua sapiência era incalculável . Tinha o divino dom de nos transmitir seus conhecimentos  de uma  maneira clara e objetiva . Seu coração bondoso, cativava a todos. Passava-nos muita confiança.  Naquela época, a escola não oferecia livros de graça, como acontece hoje. Meu pai, de poder aquisitivo baixo, não podia comprá-los. Recordo-me que a professora Wanda  mimiografava-os e presenteava seus alunos mais carentes. Assim, eu também tinha a oportunidade de possuí-los e acompanhar adequadamente às aulas. Esse ano passou rápido. Chegou o triste dia em que despedimo-nos dessa bondosa e memorável criatura. Ficou a ansiedade e a incerteza - será que haverá outra Wanda Marques na terceira série ?
          Terceira série. 1960. Foi a mais tumultuada.
       Os briguentos e peraltas: Pacheco, Dorival Machado (Machadinho),Benfica, Dorival ( O Magro), esse ,defensor dos mais fracos; aliás, era o mais forte da sala. Todos, sempre dando  muito trabalho para o porteiro  Zé Melillo e para a direção da escola. Os irmãos: Nilson e Pingo Brigola, Massao Kioka , o mais comportado da sala , e tantos outros que não mais recordo seus nomes.  As meninas: Maria de Lourdes  Bortoletto (Lurdinha), Ana Dabrowisk, Meire (filha do saudoso taxista, Nelson Tenente), as três Veras: Vera Silva Motta, Vera Lucia Santos  e Vera Freitas ( Vera poço). Por que Vera poço ?. Certo dia, percebendo que no galho do pessegueiro que ficava acima da tampa do poço, em seu quintal, havia um enorme e saboroso pêssego maduro, subiu em cima da tampa para pegá-lo , esta quebrou-se, e ela foi  parar no fundo do dito cujo. Salva, graças a sua prestativa vizinhança, que rapidamente a socorreram.
        Zenita Melillo, filha de Zé Melillo - nossa professora dessa série. Jovem, olhos claros, meiga, muito bonita. Com todo o respeito, era a sensação da sala. Os alunos não faltavam às aulas. Aguardavam ansiosos a sua chegada, aquele brilhante sorriso de saudação, aquela doce voz dizendo sutilmente: Bom dia! Além de tudo, ainda era dedicada, paciente com todos. Tornava suas aulas sempre agradáveis.   Chega o final do ano. Provas.  Nota . Boletins . Quarta série.
          Euforia Total. Quarta Série , 1961. Afinal, ano de formatura. Nessa época, recebia-se o diploma e muitos deixavam o estudo para trabalhar, como foi o meu caso.   
          Terezinha Maestri, nossa professora da 4ª série. Às vezes, um pouco ríspida, outras vezes, carinhosa. Dedicava-se ao máximo para nos transformar em cidadãos honestos, de caráter. Valores como: família, solidariedade, religião, a base sólida de uma sociedade, aprendemos tudo com ela.  Por motivos que eu não me recordo, quase no final do ano, afastou-se, assumindo em sua substituição a professora Celina Silva . Muito dedicada, se responsabilizou pela nossa formatura.
          Dezembro. Correria. Provas. Ansiedade. Finalmente a nota. Vibração. Formatura. Meus pais, orgulhosos, assistindo-me receber meu diploma. O diretor era o Prof..Laércio Mota, mas foi seu auxiliar Prof. Christiano Bonilha, quem assinou meu respectivo cartucho. Depois, despedida na casa da professora Celina, onde ela nos ofereceu deliciosos doces, bolos e refrigerantes.
 Que saudades sinto dos meus dedicados professores e colegas, muitos, nunca mais os vi; e da E.E.Tomé  Teixeira ( Antigo Grupo Escolar Tomé  Teixeira). Cem anos formando cidadãos, profissionais, mestres; capacitando, instruindo, educando  seu povo. Orgulho de Itararé! Foram apenas quatro anos, mas quatro anos dourados, que lá passei.               
Sinto-me honrado em poder participar do seu centenário. Parabenizo-o, oh  importante celeiro de sabedoria!  


*Professor e coralista
___________


MEMÓRIAS ESCOLARES
Ruy de Jesus Furlani*

            Todo menino ou menina ficava feliz quando era matriculado no 1° ano escolar. Fui matriculado no Grupo Escolar Tomé Teixeira, por minha mãe, no primeiro ano.  Fiquei perplexo, pois já havia cursado o primeiro ano na escolinha do Cruzeiro, numa sala do casarão da família José Dias de Almeida, o Zé Dias do cartório - para meu pai, o Zé Vitrola. Dona Vanda Marques, minha primeira professora, me acompanhava pela rua Prudente de Morais e  subíamos até aos altos do Cruzeiro.
Fiquei mesmo no primeiro ano... Meu irmão mais velho ia cursar o segundo ano e fez uma guerra em casa, dizendo que eu não podia frequentar o segundo ano, porque ele era mais velho e tinha que ir na frente; alegava ainda que a escolinha do Cruzeiro era fraca; bom mesmo era o Grupo Escolar Tomé Teixeira.
A segunda professora era uma santa, doce como os primeiros colegas escolares. Foi lá, na classe dela que levamos um grande susto e ouve choradeira dos alunos. Minha professora desmaiou. Foi um perereco, e a professora da classe ao lado, foi acalmar os alunos.
            O diretor Adriano Rolim que me parecia durão, enérgico, passava pelos corredores e se ali estivesse algum aluno, deixado pela professora, era  logo conduzido à diretoria para esclarecimentos. O castigo era imposto pela diretoria quando o aluno faltava com o respeito. A professora do 3° .ano, tinha entre seus alunos o  filho caçula da minha professora. Ele cometeu alguma infração e foi para o corredor.  Então, entrou na classe de sua mãe e contou-lhe o ocorrido. A professora emocionou-se e ficou muito triste chegando a desmaiar na frente dos meninos, que ficaram assustados.
            No Grupo escolar, fui aluno do professor José Pimentel, conhecido como príncipe; do professor Laércio Ramos Mota, e das professoras Dona Josefina Mazalai Machado, Dona Irani, Dona Laurita Ribas e  Dona Araci de Mello.
Em 1958, no quarto ano, fui escolhido para a turma de Dona Anunciata. Mas um menino que eu conhecia como Tino, escolhido para a classe de Dona Araci, jurou aos seus pais, que ele não iria para a classe de Dona Araci, provocando a visita do diretor na sala de dona Anunciata.  O diretor explicou o que estava acontecendo e  perguntou se algum aluno aceitava a troca. O diretor, com certeza, esperava que alguém o salvasse daquele impasse. Eu aceitei o desafio e fui para a classe de dona Araci. O discurso dela não foi dos mais agradáveis. Os cadernos foram substituídos, e assim, fiz sabatina oral, e  tudo foi mais severo e enérgico  do que se podia esperar de uma professora.
            Certo dia, estava jogando bola com Vandeci Simões, José Luis Bittencourt e com os irmãos gêmeos Chofakian, no pátio em frente à escola do Comércio, nosso campinho de peladas, quando avistei D. Araci parada na esquina, espiando a gurizada.             Observei e pensei - amanhã vai ter sabatina oral. Terminou a brincadeira de bola, deixei os colegas e fui para casa. Tomei um banho, troquei de roupa e passei a mão nos cadernos de História e Geografia, e decorei de cabo a rabo. Na manhã do outro dia, levantei mais cedo e antes do café da manhã, ainda revi as lições. Rumo ao Tomé, lá chegando, fui para a rígida formação dos alunos para cantar o Hino à Bandeira, e depois dar um bom dia cordial ao severo diretor Adriano Rolim, no corredor em frente ao salão de recreio.
Nos dirigimos à sala de aula conduzidos pela professora. Após a chamada, Dona Araci me chamou à frente dos alunos e começou a sabatina oral. Perguntava e eu respondia, e quanto mais ela perguntava, a resposta saia mais correta. Dona Araci cansou e exclamou:
-Que menino! Estava jogando bola ontem à tarde, mas sabe tudo.
            No Grupo Escolar do meu tempo, as serventes Dona Emília e dona Ester distribuíam a merenda escolar para os alunos da caixa. Para os demais, vez ou outra, eram vendidos cartões para o arroz doce e outros pratos.
            Zé Melillo era  o porteiro e chefe da fanfarra. Um belo dia, jogávamos futebol no pátio com bolinha de vidro, e era só canela dolorida ao rebater o chute na bolinha. Zé Melillo comoveu- se com a cena e no outro dia, quando nos preparávamos para jogar com bolinha de vidro, ele nos deu uma bola de borracha, para nossa alegria. Quando a bola ia para o lado das meninas, nem pensar em ir buscar;  tinha que esperar que alguma menina a devolvesse. Na época, ainda eram classes masculinas de um lado do prédio e femininas, do outro lado.
Zé Melillo era mal visto pela criançada porque ajudava a segurar os alunos para que tomassem lombrigueiros. Uma gosma menor que uma bola de gude, de sabor horrível, ingerida  muitas vezes na ‘marra”, juntamente com uma caneca de água.
            . Eu gostava dos desfiles da criançada pelas ruas da cidade porque meu pai comprava chocolates para nos dar energia.
             Como apelidar os outros era normal, toda a criançada apelidava sempre, por alguma semelhança com o aluno. No Cruzeiro fui apelidado de “formiga ruiva”, devido ao meu nome, Rui. No Tomé, esqueci a régua e no dia seguinte ela apareceu com mais de uma dezena de sobrenomes depois do meu.
Ah! Dei trabalho ao Zé Melillo. Ao sair do banheiro, batendo a porta com força ela travava, dava um pouco de trabalho para abrir e eu  sempre ficava preso lá dentro. Um dia foi a minha vez. O menino que me deixava trancado quando batia a porta,  entrou no banheiro, e eu dei-lhe o troco;  bati a porta e como esta não abria, ele ficou aos berros lá dentro. Foi preciso que o  Zé Melilo com formão e martelo cortasse a porta para tirar a fechadura e liberar o menino  que ficara preso.
A saída das aulas era sempre um momento especial: o corre-corre entre os meninos e os desafios num jogo de futebol na praça Siqueira Campos, pátio da escola de Comércio...

*Historiador
__________


UMA LEMBRANÇA DO TOMÉ
Hélio Porto*
O comecinho de 1955 surgia nos calendários coloridos ou do Armazém do Donatinho ou do Empório do Pelissari. Hominho quase feito, de calças curtas e suspensório de pano, lembro-me com um bornal de tecido indo de "alpargatas" para o glorioso Tomé Teixeira. No peito da camisa de algodão amarelado que minha mãe, Dona Laura, tentou branquear com "anil" horas no coadouro, me sentia um "cabo" do exército do saber. Debaixo da letras GETT bordados pela minha "velhinha" já existiam duas faixas de segundo ano.
No bornal um caderno de caligrafia, um caderno "avante" borrador e um caderno de desenho de capa berrantemente amarela de segundo ano. No estojinho vagabundo de madeira alguns lápis de 2 pontas, uma borracha elefante, um apontador que nunca funcionava, meia gilette Blue Blade que surrupiei do meu pai depois de sua barba, uma caneta de pau, duas penas de aço (uma aberta) e um tinteiro "Goiano".
A professora era Dona Juscelina, um doce de pessoa que me dava muita segurança e me ensinou muito. A cabeça doída das "correções" aplicadas no menino irrequieto pelo "molho" de chaves do Zé Melilo. Quanto voltava da escola, a guerra da minha mãe para colocar a roupa caseira para não sujar nem estragar meu uniforme escolar.
Um puxão de orelha da Dona Laura, pois esqueci um pirulito comprado da Dona Maria Piruliteira dentro do bornal e ele derreteu quase estragando os cadernos. Minha mãe nunca entenderia este descuido. Mas eram 10 pirulitos por 10 centavos e a gente não aguentava devorar todos.
Puxa, como era gostoso ser aluno menino do glorioso Tomé. Tanto gostei que ao invés de 4 anos, fiquei ali 6. Repeti o segundo ano e fui dos poucos que cursou o 5º ano primário, espécie de cursinho para a admissão ao Ginásio.
* Jornalista